terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Depois da meia-noite

Assisti a “Meia-Noite em Paris” ao lado do meu guarda-chuva. Woody Allen acha que gostamos mais do passado que do presente pelo simples fato de não aceitarmos as inconstâncias da vida. Já Gertrude Stein crê que o papel do artista é sugerir espaços para os vácuos e não apenas aceitá-los.

Indaguei meu guarda-chuva sobre gostar mais do passado. Não do passado distante, como Allen indagou, mas do passado vivido. – Eu queria ter sido jogador de futebol. – Mas hoje você é um homem das letras, ou pelo menos tenta ser, fala inglês e assiste a filmes do Godhard. – Mas eu queria. 

O detalhe é que o jogador de futebol ficou no passado. Então, é isso que eu queria ser. Meu guarda-chuva me falou o seguinte: - O passado leva muita vantagem sobre o presente, porque ele é estático e imutável. O passado não gera angústias, no máximo culpas superadas. O passado é seguro, não é instável como o presente. No passado você não pode mais se magoar. Acreditar no “se” é negar o “é”. Ser jogador de futebol, por exemplo, traz muitas angústias também. Pergunte para quem é. Mas para quem esse desejo ficou apenas no sonho, a falsa ideia de que poderia ter vivido uma vida melhor se sobrepõe à realidade, justamente porque não é a realidade.

Fiquei olhando bastante tempo para meu guarda-chuva. Ele continuou: - Esse tipo de raciocínio é a mesma coisa de você querer morar em outra cidade ou achar que a mulher de seu amigo é mais bonita ou a casa do vizinho é melhor. Óbvio que existem mesmo cidades melhores que outras, mulheres mais bonitas que outras e casas mais agradáveis, mas para tudo dependemos de interpretações. Quando você coloca na balança a realidade e uma idealização da realidade, claro que a realidade pura e simples vai perder, porque ela foi testada, a idealização não.

O guarda-chuva continuou sendo enfático e cortando meus ouvidos: - Quando você diz que a mulher do outro é mais interessante, você não viveu com ela, simplesmente a idealizou. Assim sendo, ela leva uma grande vantagem sobre sua própria mulher, que para você é real, com qualidades e defeitos, que você ainda se achou no direito de identificar. A cidade tal é melhor que a sua, porque você não viveu lá. Talvez só visitou como turista, assim como tempos remotos, que você só conheceu através de filmes e livros. A casa do vizinho é cheia de rachaduras, mas você só a enxerga por fora. Então, concluiu o guarda-chuva, saiba viver o presente, para no futuro você ter saudade do passado.

- Ótimo, falei com meu guarda-chuva, você decifrou tudo e resolveu minha vida. Ele respondeu que não consegue resolver nem a dele, quiçá de outrem, e finalizou dizendo que tem uma saudade apertada de uma sombrinha, que paquerou no colégio, e que estava cansado da vida que tem. Comecei a achar a conversa muito chata e ficar com saudades de conversas anteriores que já tive com meu boné, muito mais fluente que meu guarda-chuva. Andei, voltei e me lembrei que o último guarda-chuva que tive eu ainda era garoto e que ele era mudo.    

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