terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A falta de Ali Babá e a eternidade

Seria pelo fato de sermos perecíveis o motivo de tanta ganância? Será que se fôssemos imortais ou se o calendário não tivesse sido inventado, permitiríamos o tempo passar com mais naturalidade? Será que o fato de conheceremos a morte e sabermos que temos poucos anos de vida nos torna ansiosos para ter uma existência marcante? E dependendo da maneira que interpretamos isso, fazemos coisas tão absurdas? E por tanta gente fazer coisas tão absurdas essas coisas deixam de ser tão absurdas? Será que o absurdo é achar alguma coisa absurda?  

Será que temos mesmo que ser nós contra o resto? Que temos que nos fechar em família e amigos e lutar contra as outras fatias do mundo e ainda correr o risco de dissabores mesmo em seu antro, seu reduto? Será que não existe pessoas que descobriram outra maneira de viver? Existe.

Será que temos que comprar tantos lanches de nossa madrasta para sermos felizes? Já dizia o conto de Ali Babá que o ouro pode, e deve, ser dividido. Os 40 ladrões ficaram tão apavorados em dividirem com mais um que acabaram todos morrendo. Não era melhor se solidarizarem com a parte em excesso e abrirem mão do segredo?

40 ladrões e o Ali Babá. 41 vereadores em Beagá. Faltou o Ali Babá, com seu amigo Robin Hood, para nos contar o segredo daquele cofre cheio, das festas e dos lanches. Faltou o Ali Babá para libertar as escravas, para desafiar o perigo, para entregar o capataz. E faltou a Morgiana para ludibriar o chefe, para achar os desenganados e desmascarar os mascarados. Faltou Noé para salvar as raças. Faltou Dom Quixote para segurar o florete e invadir a cúpula.

Será que o medo de perder um tempinho da nossa vida tão curta anestesiou as pessoas, que se tornaram tão permissivas? Será que o receio de acreditar que nada adianta amoleceu os corações tão sofridos, que ficamos, assim, passivos? Será o nariz de palhaço e as redes sociais tão eficazes? Será que é a mídia? A mídia não é só o retrato da sociedade?

Como tanta gente fala mal de um programa que é tão visto assim? Como tanta gente critica os lanches da madrasta e continua depositando suas esperanças nas mesmas pessoas ou pelo menos nas mesmas promessas? Por que os enteados continuam agindo tão desrespeitosamente? Será que eles não enxergam o tempo que estão perdendo? Será que isso é a eternidade?   

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Existe amor no teatro feito em BH

Quando a princesa exclama, num domingo de sol, às 15 horas, sentada à uma mesa de boteco, que precisa trabalhar e que ama isso, é hora de os súditos refletirem. Entre Julietas e princesas, uma verdade é clara: está cheio de amor o teatro feito em Belo Horizonte. Não que não tenha nas outras cidades, mas o que importa para nós é a capital do uai.

É com amor que essa turma que preenche os palcos da cidade trabalha. É com amor que eles enfrentam figurinos, plateias sedentas, textos complexos ou não e aceitam o desafio de fazer arte, ou seja, emocionar, o que é um terreno dos mais acidentados possíveis, abstratos. É aí que está o amor.  

O amor está em dar e correr o risco de não receber. Está em abrir mão de si mesmo e se personificar em almas alheias, reais ou fictícias. De ver tudo com os olhos da arte. De abrir mão de domingos no boteco para ir trabalhar sorridente e satisfeita, em êxtase. De querer atuar e atuar mais, não importa o quão desgastante foi, afinal a próxima performance pode ser melhor. De abrir mão da coroa e do Romeu.  

Do artista espera-se a esperança, mas também a dor, o desapontamento. Espera-se alegria, intensidade e tristeza. Espera-se que ele grite, que ele mate, que ele morra ou monte nas costas de um jumento e se deixe levar. Os simples mortais acompanham os passos da arte, como se participassem dela. Mas como assim? Os simples mortais são a alma da arte, o motivo da arte.

Neste terreno não existe vencedores e vencidos, não existe gregos e troianos, romanos e otomanos. A Constantinopla está no furor, no sangue que você sente correr, na angústia de não ter o que dizer e na falta de preocupação em ter hora certa.

Pois é assim: sentir o tapa na cara da princesa e trabalhar com amor é tarefa difícil. Acompanhá-la pode ser um paliativo mais próximo e eficaz. O que importa nisso tudo é o que se vive na hora, não o que se absorve. Ninguém sabe se está aprendendo ou ensinando, os dois ao mesmo tempo ou nenhum dos dois, e nem deve saber. O importante é viver e perceber a vida. Existe muito amor no teatro feito em Belo Horizonte, é preciso reconhecer isso.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O Brasil brasileiro

O povo brasileiro está tão sem escrúpulos que já imagino uma comunidade num futuro próximo. Um rouba o outro e o outro rouba o um. O Fulano e o Cicrano se auto-mutilando financeiramente, para ver quem é o mais exxxperto, quem é o mais “truta”.

Enquanto vou colocar gasolina e preciso ficar atento para ver se vão colocar menos combustível no meu tanque, confiro se o manobrista que me entregou o carro roubou minhas moedas ou deu um rolé com meu carango. Antes deixasse com flanelinhas e pagasse as 20 pilas. Se bem que eu paguei 10 na manobra, tinha mais cinco em moedas, então saí no lucro.

Fico imaginando o seguinte: quando o manobrista tiver que colocar gasolina no seu próprio carro. Os cinco reais que ele pegou de moedas vão ficar mesmo é para o dono do posto que coloca combustível a menos. Aí mais tarde, para vingar alguma coisa que nem sabe o que é, um ladrão, esse assumido, chega, encosta o trabuco no gerente do posto e leva toda a féria do dia, roubada dos consumidores.

O detalhe é que um destes consumidores que levaram o cano da gasosa é mecânico. Ele tinha acabado de levar uma senhora na conversa. Disse que tinha de trocar uma tal bucha, para “dar alinhamento”, não trocou nada e levou quase 20 conto na lábia em cima da mulher. Coitado dele, porque depois que chegou à sua casa, viu que o computador estava “dando pau”. Teve de chamar o técnico. O cara falou que o conserto era 60 reais. Ele sempre cobrava 40, mas como tinha de sair com uma menina, cobrou 20 a mais para passar a perna no mané.

O mesmo cara que levou 20 do vacilão gastando 15 minutos tirando um vírus do computador levou sua garota num trailer de sanduíche. Comprou um x-tudo para ele e nem percebeu que o presunto era apresuntado e que o bacon virou lenda. Exxxperto o dono do trailer, que amanhã marcou visita ao mecânico para alinhar o carro.

É a comunidade viciante. Os “safos” roubam e se gabam. São roubados e recuperam na frente. O ciclo vicioso exxxperto do brasileiro. Vou retroceder a quilometragem do meu carro para vendê-lo, inventar uma raça para meu vira-lata, para faturar um troco maior, colocar nitro no feijão para render mais e vender requeijão como se fosse catupiry. Depois, meu amigo, vou assistir ao Big Brother para ver meus heróis e votar no candidato que mandou tapar um buraco na minha rua, ignorando que se não houvesse corrupção, eles teriam feito um trabalho melhor e o buraco não existiria.

Vou ficar em frente à TV, esperando chegar 2014, para vibrar pelo Brasil na Copa. Afinal, eu idolatro um garoto de 19 anos, craque, que não fuma crack, mas usa um cabelão doidão e joga muuuuito. Ele ganha mais de um milhão por mês e eu não ganharei isso nem na minha vida toda. E daí? Ele é o cara... e eu... eu sou exxxxperto.  

Cachinhos regados

Bastou a Laura saber que se ficasse debaixo da chuva seu cabelo cresceria, para toda hora ir tomar uns pingos em sua cabecinha. E o convite nunca faltava: - “vem também, para seu cabelo crescer”. E as perguntas também não: - “se cair chuva no meu braço, ele cresce também?”. – Não, só crescem os cabelos do braço, Laurita. - E está caindo na grama, ela vai crescer também? – Vai, a grama vai. E se a gente falar bem baixinho, além de a grama crescer, vai se formar uma lagoa. Mas temos de falar baixinho para dar certo. – Bem baixinho assim? – É, bem baixinho assim.

Seus cachinhos já estavam arrastando no chão, iguais aos da Rapunzel, que não tem cachos, mas está dada a licença, e a lagoa já estava sendo formada lá no fundo. O problema é que toda hora a lagoa parava de encher, porque alguém falava alto demais, e, claro, recebia uma apreensão sussurrada, para não atrapalhar a formação. Uma hora, Laura teve de parar de entrar na chuva, porque poderia ficar resfriada. – Mas quero que meu cabelo fique bem grande! – Ele vai ficar. Já foi bem regado, agora é só esperar.

Da mesma grama que crescia e que daqui a pouco seria a base de uma lagoa enorme, porque o silêncio pairava, brotou um limão. Um limão pequeno, mas ostentoso, bonito. Aquele limão nem imaginava o quanto seria querido depois que Laura o achasse. Ela dedicou boa parte de seu tempo dengoso a ele. Mas não deixou de lhe delegar funções. A primeira é que ele servia para deixar as coisas verdes. O coitado do limão foi passado em braços suados e cabeludos, só para ornamentá-los. De uma coisa ele não podia reclamar – de abandono. Isso porque toda vez que ele caía, Laura o procurava até encontrá-lo. Limão feliz...

Entre o limão, cachinhos que teimavam em não crescer e a lagoa que talvez se formava no fundo do quintal, a tarde foi passando vagarosamente. Nem uma incômoda dor na coluna, tirava o prazer pândego de quem já havia tomado umas cervejas e se deliciava, entrando, superficialmente, mas entrando, no mundo infantil. Nem cobras, nem lagartos, só limões, chuva e lagoa, como se estivéssemos num frescor natural impagável, quando na verdade desfrutávamos de um quintal típico da cidade grande.