terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cachinhos regados

Bastou a Laura saber que se ficasse debaixo da chuva seu cabelo cresceria, para toda hora ir tomar uns pingos em sua cabecinha. E o convite nunca faltava: - “vem também, para seu cabelo crescer”. E as perguntas também não: - “se cair chuva no meu braço, ele cresce também?”. – Não, só crescem os cabelos do braço, Laurita. - E está caindo na grama, ela vai crescer também? – Vai, a grama vai. E se a gente falar bem baixinho, além de a grama crescer, vai se formar uma lagoa. Mas temos de falar baixinho para dar certo. – Bem baixinho assim? – É, bem baixinho assim.

Seus cachinhos já estavam arrastando no chão, iguais aos da Rapunzel, que não tem cachos, mas está dada a licença, e a lagoa já estava sendo formada lá no fundo. O problema é que toda hora a lagoa parava de encher, porque alguém falava alto demais, e, claro, recebia uma apreensão sussurrada, para não atrapalhar a formação. Uma hora, Laura teve de parar de entrar na chuva, porque poderia ficar resfriada. – Mas quero que meu cabelo fique bem grande! – Ele vai ficar. Já foi bem regado, agora é só esperar.

Da mesma grama que crescia e que daqui a pouco seria a base de uma lagoa enorme, porque o silêncio pairava, brotou um limão. Um limão pequeno, mas ostentoso, bonito. Aquele limão nem imaginava o quanto seria querido depois que Laura o achasse. Ela dedicou boa parte de seu tempo dengoso a ele. Mas não deixou de lhe delegar funções. A primeira é que ele servia para deixar as coisas verdes. O coitado do limão foi passado em braços suados e cabeludos, só para ornamentá-los. De uma coisa ele não podia reclamar – de abandono. Isso porque toda vez que ele caía, Laura o procurava até encontrá-lo. Limão feliz...

Entre o limão, cachinhos que teimavam em não crescer e a lagoa que talvez se formava no fundo do quintal, a tarde foi passando vagarosamente. Nem uma incômoda dor na coluna, tirava o prazer pândego de quem já havia tomado umas cervejas e se deliciava, entrando, superficialmente, mas entrando, no mundo infantil. Nem cobras, nem lagartos, só limões, chuva e lagoa, como se estivéssemos num frescor natural impagável, quando na verdade desfrutávamos de um quintal típico da cidade grande.

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